ESTA VIDA
Guilherme de Almeida
Um sábio me dizia: esta existência
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.
Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um monge me dizia: Ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande cousa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes; quase sempre, o pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida.
Quatro círios acesos: eis a vida.
Isto me disse o monge e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um pobre me dizia: para o pobre
a vida é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus? Eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar, de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.
Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça;
cortinas muito brancas na vidraça,
um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!
Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.
ALMEIDA, Guilherme de. Meus versos mais queridos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988.
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